ABUSO: aquilo que não pode ser dito

Abuso: aquilo que não pode ser dito

Hoje eu só consigo escrever sobre uma coisa: abuso.

Abuso sexual é toda molestação ou incomodação não desejada que alguém possa fazer em seu corpo visando vantagens sexuais.

Ou seja, todo e qualquer ato sexual sem a vontade da outra parte configura sim abuso. Eu já sofri abuso. Tu já sofreu abuso?

Não sei que tipo de negação exacerbada acontece dentro da gente cujo ímpeto mais forte é o de negar que possamos realmente ter passado por isso e naturalizamos situações nada naturais por vergonha. Se tu já passou por algo assim, vai entender do que estou falando. E se não passou, fica por aqui. Tenho certeza que esse conteúdo vai te ajudar, seja a identificar situações de abuso, seja a passar por isso com menos peso na consciência, com menos culpa e vergonha. Precisamos falar daquilo que não queremos nomear.

Os trechos a seguir são relatos de mulheres conhecidas e podem conter gatilhos:

Já ouviu falar em stealthing? Essa é uma forma de agressão sexual caracterizada pela remoção do preservativo sem o consentimento da vítima. Se tu não passou por isso, talvez conheça alguém que já:

Era a primeira vez que eu interagia com esse cara que eu já achava gato, ele era conhecido do pessoal que eu estava. Saímos juntos cientes da atração mútua. Bebemos e fomos para a casa dele. Lá, em meio aos amassos, ele penetrou sem camisinha. Eu pedi que ele colocasse e precisei insistir algumas vezes até que de fato o fizesse. Depois de um tempo, percebi que estava sem camisinha. Ele sabia e não me disse nada. Em alguns momentos reclamei do excesso de força com que ele me tocava “tá me machucando”. Ele ignorou e seguiu. Tentou fazer coisas comigo além do que eu gostaria que fizesse, mesmo eu sinalizando “não quero”, ele dizia em resposta “quer sim”. E seguia tocando em mim sem o meu consentimento.

25 anos

O abuso sexual pode ser combinado com abuso psicológico:

Eu havia recebido uma notícia muito ruim e minha vida tinha virado de cabeça pra baixo em menos de um mês. Em meio ao processo de aceitação da situação eu tentei me manter firme e seguir encontrando minhas amigas em situações de comemorações. Em uma dessas situações eu enchi a cara e geralmente eu chorava antes mesmo de estar bebendo e mais ainda depois de ter bebido. Uma pessoa do meu passado estava tentando se reaproximar naquela época sem saber que eu estava passando por muitos problemas. Eu não sentia mais vontade de conversar com ele, mas a situação que eu tava vivendo me deixou miserável e eu me sentia num mundo onde nada fazia sentido, inclusive minhas convicções. Eu me rendia a conversas que não tivessem a ver com a minha vida sem precisar insistir, só pra fugir um pouco. Nesse dia, em que bebi demais e chorei demais, acabei encontrando essa pessoa e chorando muito. Não lembro bem de como nos encontramos porque eu já estava muito bêbada, mas lembro de chorar e desabafar sobre a situação difícil. Lembro pouco do que se sucedeu, se a pessoa realmente se compadeceu. Lembro de ele ter dito que estava bêbado também e de ter tentado me consolar passando a mão no meu corpo e eu ter sentido muito nojo. E depois de muitas tentativas e nãos, lembro dele me chantagear pra ceder um pouco. E de, desde esse dia, carregar uma culpa imensa de ter me colocado nessa situação em que minha vulnerabilidade deu brecha para ser “consolada” de uma forma que eu não queria.

22 anos

O abuso também pode incluir violência física:

Me senti atraída por um guri num rolê com amigos, bebi bastante e comecei a flertar com ele, nos beijamos e decidimos ir pra casa dele. Eu queria ter ido pra casa dele, eu queria transar com ele. Logo no inicio da transa me senti desconfortável e demonstrei desconforto, um pouco depois ele começou a ser mais agressivo e acabou me machucando, eu avisei que tava machucando, ele riu. Não parou. Ele tava drogado e eu não percebi, só consegui me sentir culpada por ter me colocado naquela situação, por não ter tido reação quando ele não parou. Na minha cabeça só ficava martelando que há horas atrás eu tava conversando com uma melhor amiga/irmã sobre isso, ela tinha sido abusada na noite anterior, e quando a gente conversou sobre, antes de eu entrar nessa situação, eu ainda disse pra ela ‘a gente sabe o que é isso, aquilo que não pode ser dito. Por que a gente não faz nada quando se encontra nessas situações?’

20 anos

O assédio sexual também é um tipo de abuso que se caracteriza por chefes intimidarem suas funcionárias com aproximações forçadas, convites para encontros sexuais ou oferta de benefícios em troca de sexo:

Eu estava na faculdade e era muito insegura quanto minhas competências relacionadas a profissão que escolhi. Eu comecei a trabalhar num local com algumas amigas de uma forma bem experimental. O homem que idealizou o projeto nos deu muito apoio na nossa empreitada e se tornou alguém próximo. Ele reconhecia minha insegurança e sempre fazia elogios a minha atuação como profissional e alguns um pouco mais pessoais também. A vida pessoal e profissional começaram a se misturar e certo dia, eu, ele e algumas amigas combinamos de ir em um show. Ele começou a beber bastante e também a pagar bebidas. Enquanto cantava as músicas, ele abraçava eu e minha amiga principalmente na cintura e passava mãos nas nossas coxas. Uma hora ele resolveu até me pegar no colo tocando diretamente na minha bunda (SOS) e começou a dizer que ia embora quando me viu ficando com uma pessoa. Ele disse que eu não dava atenção o suficiente pra ele. Ele foi embora e o clima ficou estranho. Minha amiga comentou que tinha se sentido invadida e percebi que eu também, inclusive lembrei de outros momentos em que ele mandava mensagens de noite me convidando pra ir beber na casa dele. Depois de um tempo acabamos conversando sobre esse incômodo, mas ele pareceu descontar no nosso trabalho. De repente o que fazíamos não era bom ou confiável o suficiente. A parceria terminou e sobrou medo de trabalhar num local onde homens queiram ser próximos demais.

21 anos

Um tipo de abuso sexual é o estupro. O estupro é caracterizado pelo uso de violência física ou psicológica, no qual o agressor ameaça a vítima para satisfazer o seu prazer:

Era meu primeiro ano na faculdade e fui passar o fim do ano na minha cidade natal. Decidi ir numa festa com umas amigas. A festa era open bar e muitas de nós acabamos exagerando na bebida. Eu passei mal, vomitei e depois encontrei um cara que eu já havia ficado antes. Ele tava na área VIP e eu na parte normal da festa. O que eu lembro depois que encontrei ele é muito borrado na minha mente. Algumas amigas contaram depois que ele me levava para alguns cantos que elas não tinham acesso e que ele não deixava a gente conversar direito. O pior de tudo foi que ele me levou pra casa onde ele estava parando uns dias (porque não morava naquela cidade) e me abusou lá. Eu fiquei paralisada quando amanheceu e não conseguia processar o que tinha acontecido. Levou um tempo para eu entender que não tinha a ver com a roupa que eu usava ou a bebida que eu tomei. Ele não deveria ter feito o que fez.

18 anos

E quando o estupro é dentro do relacionamento, chamamos de estupro marital:

Meu namorado se aproveitou várias vezes da minha carência e dependência emocional me chantageando para conseguir sexo. Quando ele ia fazer algum programa que não me incluía, eu pedia para ele ficar e ele impunha a seguinte condição: ‘eu fico se a gente transar”. Mesmo quando eu não estava afim. Na época eu não entendia, mas era estupro.

15 anos

Uma das coisas mais alarmantes é que para compilar esses relatos, bastou puxar esse assunto. TODAS as mulheres com as quais conversei tinham passado por algum tipo de abuso sexual. O que elucida a importância de falarmos sobre abuso e de não naturalizarmos essas práticas. E isso exige bastante de nós, pois consiste em olhar o que realmente é e não desviar o olhar.

O abuso é o que é e reconhecê-lo faz parte de um processo de amadurecimento e processamento de situações traumáticas. O que demanda, na maioria dos casos, um acompanhamento psicológico. Então, se tu tem condições de buscar ajuda, faça.

Que bom que tu está lendo isso aqui, pois tu está exatamente onde deveria estar. Se sentir de compartilhar algo que aconteceu contigo, pode deixar um comentário. Ou me chamar. Estou à disposição para nos apoiarmos e nos ajudarmos a dar um basta nessas situações. É a isso que me proponho com esse projeto. Estamos juntas!

Compartilho contigo uma poesia que escrevi após ter compreendido um episódio de abuso vivido.

Um abraço forte ❤

Bruna Pinheiro

Publicado por bruinsights

Bruna Pinheiro é Comunicadora de formação e atuante na área. Com formações em Coaching e Programação Neurolinguística, busca no autoconhecimento compreender melhor a si e vencer limitações que bloqueiam a total expressão da sua alma selvagem. Entusiasta das diferentes formas de expressão gosta de escrever, cantar, dançar e conversar. Unindo seu amor por comunicação, seu interesse por desenvolvimento pessoal e pelo universo do sagrado feminino ao seu forte apelo terapêutico, criou esse blog para dar vasão ao seu propósito de ajudar mulheres a resgatarem a sua autoestima e empoderarem-se através do autoconhecimento. Durante o ano de 2019 facilitou círculos de mulheres, mais conhecidos como Conversas Guiadas, inspirados no livro Mulheres que Correm com os Lobos, de Clarissa Pinkola Estés. Esse projeto ajudou dezenas de mulheres a acessar conhecimentos sobre a psique feminina, resgatar sua autoestima, contribuindo fortemente para seu empoderamento.

3 comentários em “ABUSO: aquilo que não pode ser dito

  1. Uma coisa que tenho certeza que é difícil para alguém que passou por uma barbaridade dessas pôr na cabeça é que tu não é a culpada por ter se “colocado” nessa situação, mas sim a outra pessoa por ter se aproveitado de ti (e na verdade digo de abuso em geral). Porque a gente não tem como saber o que vai acontecer e não espera que algo assim aconteça. Se a gente não espera que ninguém seja decente conosco, não consegue interagir com honestidade com ninguém. E acho que é por isso que a gente se sente tão burra e vulnerável. Porque ser honesto é estar vulnerável e exposto, mas não deveria ser considerado fraqueza.

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      1. A coisa da negação e da culpa em geral pelas coisas que acontecem e a gente não gosta afetam nossa capacidade de dizer não porque a gente fica perdida se devia ceder ou não, mas… Nunca é tarde para aprender a se defender.

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